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terça-feira, 14 de dezembro de 2021

o que liga Mariah Carey à Whitney Houston é também o que as separa;

 um paralelo entre as duas maiores vocalistas da história da música

as duas maiores musas da música em 1998, durante um photoshoot para a divulgação de "when you belive"

uma ouvia o gospel a outra estava no gospel

Em 1991, durante uma entrevista, Mariah revelou suas principais influências musicais. A compositora, até o determinado momento havia lançado apenas dois álbuns, o álbum homônimo e o empolgante Emotions. Mariah, em sua jornada, já havia trabalhado com diversos ritmos como pop, soul, disco, dance, funk, motown e R&B. Quando paramos pra analisar a sua discografia podemos notar que sua música estava, de certa forma, embasada no que Aretha Franklin, Denice Willians, Minnie Ripperton, Cherlyn, Patti Labelle, Donna Summer e Diana Ross faziam em seus auges. Mas Mariah também assume que o gospel estava influenciando em sua musicalidade. E mesmo que Mariah não fosse uma ávida ouvinte desse gênero musical, suas influências - Aretha, Patti -, eram influenciadas por ele. Contudo, Mariah diz que costumava ouvir todo tipo de música, inclusive a música gospel e se fascinava com a forma que os coros preenchiam aquelas canções.

Como todos bem sabem, ou talvez não, mas presumo que sim, Whitney começou sua estrondosa carreira se deliciando em louvores na igreja. A musicalidade característica dos corais negros protestantes esteve presente na própria formação de Whitney enquanto cantora. Destarte, Whitney, sobrinha de Dionne Warmick e filha de ninguém mais ninguém menos que Cissy Houston, grande dama da música soul e gospel dos anos 40-60. Whitney foi criada cantando nestas igrejas, ela estava lá e cantava com eles. 

Apenas como ponto de conotação, fica evidente que Etta James, Aretha, Billie Holiday, Nina Simone, Mahalia Jackson, e Ella Fitzgerald são as maiores inspirações de Whitney.  O gospel é o que une essas duas fantásticas cantoras, mas também é o que as separa.

Como o gospel influenciou a carreira de ambas?

Enquanto Whitney, trazia o gospel pra cada uma de sua performances, deixando seu "delievery", proveniente dos emocionados coros, onde cada pessoa belta a sua maneira sentindo verdadeiramente aquela sensação, sobressair de maneira quase espirituosa, Mariah tentava encaixar o gospel em suas faixas, como uma ouvinte. Mariah não conseguia trazer aquele feeling do gospel pra suas interpretações da mesma maneira genuína que Whitney, porque ela não foi criada neste meio. Para Whitney isso vinha naturalmente, sem que ela pudesse notar, como se não pudesse evitar, surgia das suas entranhas, estava na suas raízes e veias. É cultural. 

Mariah, como uma musicista, absorveu todas as influências musicais que a ela chegavam. Quando notamos faixas como Anytime You Need a Friend, percebemos a diferença que o coral faz nesta faixa. Não colocando em cheque a interpretação de Mariah, que é brilhante e fascinante, mas se esta fosse uma faixa de Whitney, certamente o coral seria um elemento de preenchimento no último refrão, para alguma animosidade no clímax.



Mariah sentia o gospel como uma musicista, não como parte integrante daquilo. Isso implicava na forma como ela lia e interpretava estas músicas e talvez por esta razão, ambas tenham maneiras tão diferentes de representar a música gospel. Duas diferentes perspectivas pra representar uma mesma coisa.

Tomando como exemplo, para que fique mais claro, podemos imaginar a forma como os gringos costumam fazer suas versões de Bossa Nova ou Samba. Pra nós que somos brasileiros soa por vezes, embora ainda muito interessante, como algo insonso. Sabemos como nossa Bossa tem um tempero típico que lhe dá toda a aura graciosa de uma tarde de verão num Rio Boêmio e descompromissado. Vocês podem tirar suas próprias conclusões ouvindo Samba de Mon Coeur Qui Bat (que é a típica formula usada pelos gringos) da cantora francesa, Coralie Clement e depois ouvir O Barquinho, seja versão de Maysa ou de Nara Leão e vai entender do que estou falando. É desta forma que Mariah estava fazendo suas canções gospel.




uma estava performando outra estava musicando

Quem aqui já frequentou uma igreja sabe como funcionam os corais e a interpretação de um hino. Existe um ditado no meio que diz: "o hino que você ouviu hoje não é o mesmo que você ouvirá amanhã." Sendo assim Whitney sabia exatamente como interpretar estas canções. O gospel estava nas suas veias e era parte fundamental da sua interpretação. Whitney ficou conhecida por suas calorosas apresentações. Era do seu domínio reestruturar todo o corpo da canção, dando uma característica única à cada nova apresentação. Todos os acordes, o ritmo e a função melódica se desconstruíam, reestruturando-se em um novo corpo musical; e isso é tão puramente gospel. 

Criada neste sistema, Whitney seguiu o caminho de uma interprete, assim como eram suas tardes com o coral na igreja em que costumava frequentar. Diferente disso, como uma jovem que cresceu cercada de música, Mariah seguiu o que sua alma exalava: musicalidade pura. Mariah não estava interessada em interpretar canções, mas de se expressar através delas. Traçando versos, primeiramente, se destacou como uma compositora, depois como backing vocal, como produtora e aí somente então como cantora. Mariah estava criando música, independente de que gênero, ela apenas queria experimentar. 

Whitney vivia sensações enquanto enchia seus pulmões pra cantar que "eles não podiam tirar a sua dignidade", Mariah quer fazer o público experimentar sensações ao ouvi-la cantar, sobreposta em camadas harmônicas de vocais etéreos, algumas tornando-se quase impossível, ou impossíveis, de se reproduzidas ao vivo. Vide o caso de Bliss, Giving Me Life, Fourth of July e The Roof. Embora algumas de suas faixas mais ricas, como Underneath The Stars e Petals, tenham sido interpretadas ao vivo, é possível perceber uma decaída, mas não na performance de Mariah que é sempre fenomenal, mas na atmosfera proporcionada nas suas versões de estúdio.

Enya, durante uma entrevista, revelou que não se interessava em fazer tours porque sentia que sua música precisava ser ouvida da forma que fora pensada originalmente, mas que nas circunstâncias de sua época era tecnicamente impossível reproduzir o ambiente tão mágico e etéreo que ouvimos em Sheppard Moons, por exemplo. O mesmo acontece com Mariah, muitas de suas faixas não ganharam performances ao vivo, em suas tours, pelo mesmo motivo. 

Whitney era uma interprete, sentia a música borbulhando em suas veias e mostrava ao mundo como conseguia criar narrativas diferentes cada vez que precisava interpretar uma de suas canções. Mariah é uma musicista, ela sente  a constante necessidade artística de expressar suas narrativas por meio de suas composições e produções.


a técnica perfeita e o sentir da música

O Gospel têm todos estes anos influenciado as mais diversas cantoras. Aretha usava sua voz cheia de alma pra cantar o Soul, mas aqueles adiblis e beltings ela havia aprendido antes, quando era apenas uma menina sonhadora cantando hinos nos salões da sua igreja. Etta James lançava suas ríspidas e raspadas notas de uma maneira tão indomável, tão cheia de agressividade. 

A tradição gospel, tão marcante para o desenvolvimento do R&B, do rock e do soul, também foi página fundamental na história destas cantoras.  As suas técnicas foram moldadas pelo gospel, desde lá de trás, e essas mesmas técnicas são as que moldaram o comportamento vocal de Whitney e Mariah e é por causa do gospel que elas se tornaram duas das maiores vocalistas que já existiram.