a vez que dois ícones construíram juntas três pérolas da música japonesa
Quando Akina Nakamori surgiu no mercado musical, em 1982, Mariya Takeuchi já era um ícone da música no Japão, já sendo consagrada. Akina construiu seus primeiros álbuns com uma temática bem teen, voltada para o público jovem que acompanhava cada passo da estrela em ascensão. Mas entre 1985 - 86, a cantora estava buscando se libertar da imagem de adolescente rebelde e buscando uma imagem mais séria, mais misteriosa e sensual. No seu álbum Fushigi, que evocava uma liberdade criativa mais ampla, Nakamori já vinha dando pistas de que estava disposta a se reinventar artisticamente.
Nakamori performando Oh No, Oh Yes |
Neste cenário encontrava-se Mariya no processo de divulgação do seu - brilhante - álbum, Highlights (yasuha). Mariya estava mais criativa do que nunca e mais produtiva também. Sua parceria com seu - até então namorado - Tatsuro Yamashita (aka o rei do pop japonês), estava lhe rendendo um processo criativo extremamente original e específico, que mais tarde chamaríamos de City Pop. Essa mistura homogênea de Disco, Funk, Jazz e R&B que estilo trazia, era interessante pra diversos artistas que estavam buscando uma independência da música Kayokyoku e do J-pop. Mariya sempre foi conhecida por ser uma excelente compositora, do rock folk, passando pelo country indo até o famigerado pop synth da década de 80; não havia nada que ela não pudesse compor. Também era a Miss M, conhecida pela sua simpatia com novos artistas, acolá sua deliciosa relação com Seiko Matsuda (a princesinha comportada do J-pop e que se portava como uma espécie de "rival visual" para Akina). Dessa relação nasceram os maiores hits de Seiko: "Sweet Memories", "Crazy Me Crazy For You", "I Will Fallow You", "Watashitachi Wo Shinjite Ite." Estava evidente que como compositora e produtora Mariya era a pessoa perfeita pra entender a essência do que queria ser passado. Vendo Seiko como uma menina doce e de voz melosa, compôs-lhe inspirando em cordas leves, melodias extremamente harmônicas, num quê de romantismo na sonoridade com letras cheias lirismo plumados, como se condessasse a fofura e delicadeza numa coisa só.
Quando se é alguém consagrado, é normal que os novos artistas mencionem-te como uma referência. E era assim que Seiko, e outras novatas que iam surgindo iam fazendo. Mariya era simplesmente a rainha daqueles anos, ela tinha vendas, tinha hits e tinham aclamação crítica e ter a sua benção era quase que como ser lançada para o mercado com a certeza de que estava preste a hitar também. Todavia porém, isso não acontecia com Akina, que preferiu manter-se distante da imagem de "baba ovo" ou "puxa-saco" construindo uma identidade independente da "benção" de Mariya e pelos anos iniciais da década de 80 essa relação foi bem fria, se não quase nula. Foi só em 1985, justamente quando Akina sabia que precisava reinventar-se que prontamente ela contatou a melhor de todas as compositoras de sua terra. Entendo que Takeuchi tinha um olhar clínico para composição e que ia entender muito bem a essência dessa nova era.
tudo parecia estar ornando
No começo de sua carreira, a cantora havia apostado em vocais mais brilhantes e até mesmo mais femininos, a medida que avançava no seu processo de amadurecimento interpretativo ela ia optando por vocais mais expressivos, centrados na região de peito e tons graves, bem como uma maior exploração do uso do vibrato, tornando este a sua marca registrada até então. Mas, como numa necessidade de explorar uma pouco mais da suas capacidades vocais, Akina então, se especializa num canto mais suave, agudo e sussurrado, mas cheio de expressividade, feminilidade e sensualidade. E foi abandonando aquela imagem extravagante e apostando numa mais frágil, em meio as brumas escurecidas, no véu da neblina, nasce o mais interessante trabalho de Akina, Crimson. É bem verdade que Akina não se entregou ao city pop, gênero este que fez vista grossa, mas adicionou influências e fartas pitadas na produção que se seguia. Aquele swing sensual do Lounge e do Disco que recorda os R&B dos anos 70 serviram como um excelente pano de fundo pra produção bem amarrada que veríamos a seguir. Vale ressaltar que Crimson lembra muito o álbum de 1978 de Mariya, Recall, que também têm uma certa melancolia embocada de alguma sensualidade. Costumo dizer que se o City Pop de Anri, Mariya e Tatsuro era o som que embalava o centro iluminado das grandes cidades, o som do Crimson é aquele que embala os bares escondidos e tardios dos becos escuros e esfumaçados destas mesmas grandes cidades.
Mariya e Akina trabalharam juntas em sete faixas para o trabalho, que contém dez ao total. Essas foram: "Yakusoku", "Eki", "Oh no, Oh yes", "Anata-o Omeaba Koshuô", "Kazewodakishimete", "Jealous Candle" e na faixa bônus "Mick Jagger".
Yakusoko, Eki e Oh No Oh Yes...
Destas sete faixas com toda certeza a trilogia que abre o álbum é com toda certeza uma das coisas mais interessantes da música japonesa, e da música como um todo. Toda vez que eu escuto estas três faixas eu imagino um mesmo cenário: Akina está sobre sua cama, na madrugada nebulosa, próxima ao telefone, sentindo sozinha a se recordar das histórias que viveu com um amor do passado; tudo parece tão melancólico, mas também há muita sensualidade. Unir a sensualidade da voz de Akina aos acordes noir de Mariya foi mesmo uma ideia sensacional.
Yakusoku, que tem influência nos anos 50 com uma pegada 70's, é com certeza a mais esperançosa das três faixas. O eu lírico parece abandonado, nostálgico e solitário. Akina quase que hipnotiza com suas palavras silabicamente sussurradas e o refrão quase não tem força nenhuma, justamente pra que essa fragilidade não seja quebrada repentinamente. Yakusoku é um cochicho saudoso, como quem sabe que ainda há uma chama de esperança, pois houve uma promessa que fora "jogada pelos ares" anteriormente. Quando a faixa acaba restando apenas a saudade temos que lidar com a verdade de que tudo foi apenas um devaneio e que na manhã seguinte haverão outras coisas.
Eki, vem logo me seguida, em cordas tradicionais, quase que relembrando aquela Akina anterior, mas aqui com alguma cautela. Dessa triologia esta faixa com certeza é a mais tristonha, é como se fosse consumação do abandono e da solidão. Construída pra ter uma característica mais romântica que a anterior, destacando os acordes em e-piano em meio a uma esfumaçada progressão de pads e cordas que no refrão chegam num clímax contido, como se de tão frustrada e cansada, Akina não tivesse mais forças de cantar; de lançar ao mundo aquele forte vibrato, e então num marasmo sentimental ela sussurra em meio às trevas da madrugada "iluminada por velas" - como ela
ressalta em "Jealous Candle". Eki acabou fazendo mais sucesso que o esperado quando lançada como single promocional para "Mick Jagger" e acabou sendo remanejada como single, alcançando a posição #1 da Oricon e por lá morando por quase cinco meses. Parece que o sucesso de Eki impossibilitou uma tentativa de insistir num próximo single, visto que "Oh No, Oh Yes" passou "à sombra dela", pegando ""'apenas"" #2 quando Eki estava dominando no topo. Não foi nem de longe um fracasso, muito pelo contrário, mas figura como uma das faixas mais injustiçadas de sua carreira, porque sim merecia como nunca vibrar no topo da Oricon.
Oh No, Oh Yes, é um desvio sensual mas que não deixa de ser tristemente sentimentalista. Nessa letra em que o Eu lírico para ser a outra, Akina canta sobre como é difícil amar, como as coisas não saíram como ela planejou e sobre como ela não que ir sozinha pra casa naquela noite chuvosa. Na questão de produção, esta com toda certeza é mais interessante. Recheada com uma bateria que complementa os acordes do e-piano e aquela pad que quase está sumindo por entre as precursão. Temos então a voz de Akina dançando suave pelas batidas da bateria e depois no final temos o solo de um saxofone, que complemente na medida certa a sensualidade que a faixa evoca.
Duas versões, duas perspectivas
Depois de todo o sucesso que Crimson teve, Akina tomou um tempo pra descansar e muito se esperava que a parceria com Mariya fosse se repetir para o próximo projeto, intitulado Femme Fatale (este que navega pelo universo da música negra, o new jack-swing de Janet Jackson e conta com vários brasileiros na produção, ouvir: U're Everything); entretanto, não aconteceu. A verdade é que nessa próxima fase Akina abandona os vocais sussurrados do Crimson, mas também não regressa para o vibrato grosseiro do Cruise ou do mistério incandescente do Fushigi; fica mais parecido que Akina está inspirada nos seus vocais iniciais, mais brilhantes lá de 1982. Outra coisa que fica de lado aqui é a imagem sensual, os tubinhos e os longos cabelos ondulados. Apostando numa imagem mais moderna, de presença e séria. E tudo isto pode estar ligado à vida pessoal de Akina, que na época estava noiva do então vereador de Tokyo.
Nunca mais se ouviu falar de Akina e Mariya juntas. Muito se especulou na época, visto que Mariya e Seiko estão produzindo coisas juntas até a data de hoje, pelo o que se tem notícia. Em meados dos anos 90, um fervoroso boato dizendo que Mariya teria se decepcionado com uma possível atitude mesquinha de Akina teria sido o motivo do afastamento. Mais tarde foi o próprio Tatsuro que dizia odiar a versão de "Oh No, Oh Yes" de Akina e que ele e Mariya tinham uma versão bem melhor do clássico e que em breve seria lançada. A declaração fomentou rumores de um possível feud entre as duas maiores estrelas pop do Japão.
Mariya performando Plastic Love |
Não demorou em 1992 pra Mariya lançasse seu poderoso álbum Request (este que vendeu mais de 1 milhão de cópias na primeira semana apenas no Japão). Com apenas seis faixas iniciais, quase um EP, e contando com hits poderosos como "Yume No Tsuzuki" e "Shiwase No Monosahi", Oh No, Oh Yes, foi lançada como lado B de Shiwase No Monosahi, mas no mesmo ano, Mariya reditou a coisa toda e relançou o álbum durante o verão, com uma nova capa e título: "Quiet Life" inserindo nele mais cinco músicas oficias e usando sua versão de "Oh No" para promover esta fase do projeto. A faixa rapidamente alcançou o #1 nas paradas musicais e vinham como um refresco para esta nova fase, mais R&B, de Mariya. Numa produção mais clara, menos sombria e sensível, quase a música ganha uma outra conotação. Mariya tem uma voz mais presente e vocais mais firmes e claro que Akina e talvez isso tenha ajudado a música se popularizar, torando o álbum "Queit /life!" o mais vendido na China, naquele ano. Bom, ninguém sabe porquê, mas Mariya decidiu mostrar ao mundo sua otimista versão praquela música e de fato acabou fazendo mais sucesso. Todavia, no meu íntimo - eu quero deixar bem claro que eu amo qualquer coisa que Mariya faça - que eu prefiro a fragilidade da versão de Nakamori, parece-me que a faixa nasceu pra ser tão triste-sensual.
Ninguém sabe se Mariya estar apostando numa faixa lançada apenas cinco anos antes era pra confirmar o possível feud entre as duas ou se ela somente gostava muito daquela - sua própria - composição e gostaria que estivesse em sua discografia também.