porque underneath the stars da Mariah Carey é tão sublime

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Mariah é um excelente compositora. Sua carreira está recheada de poesias líricas, lúdicas e cheias de elementos formidáveis. Ela tem usado palavras igualmente fantasiosas e mágicas pra fazer o seu som todos estes anos. Mas, durante o período de criação entre 1994 e 1996 ela estava especialmente agradável. (Este é um post sobre Underneth The Stars, mas poderia ser sobre Everything Fadas Away, Melt Away, So Far (Sllipin' Away), Long Ago, Dreamlover...). Tudo neste momento estava tão doce e leve na sua mente criativa. É verdade que Mariah sempre gostou de uma sonoridade mais melódica, quase como uma coisa de fada, que pende entre Minnie Ripperton e Enya, mas Underneath The Stars, que é o maior exemplo disso, parece ter transcendido a realidade melódica e harmônica e agora paira num sublime estado de beleza sonora. 



...parece que eu estou flutuando com ela

Numa noite de verão ela fugiu por aí sei lá com quem e de baixo das estrelas eles flutuaram para outro estado da mente. Essa composição é tão sublime. Mariah parece ter vivido um de seus dias mais inesquecíveis nessa faixa (que é continuada pela também ótima Fourth Of July) e toda aquela sensação de felicidade e leveza, como se pudesse voar nos é passada com tanta delicadeza. 
No final de cada refrão, Mimi canta quase que como uma flauta "...young luv" e é exatamente isso que sentimos. Uma nostalgia  juvenil de um amor de verão antigo da época de escola. Uma daquelas lembranças inesquecíveis de uma tarde primaveril em que passeamos por aí coletando memórias encantadoras e depois mantemos isso com carinho pra sempre no coração. 

Eu fico chapado de Underneath The Stars todas as vezes que eu a escuto. É como se eu estivesse neste mesmo campo em que ela diz ser cheio de borboletas e vagalumes que na euforia da paixão sobrevoam sobre eles. É como se eu estivesse me deliciando desta mesma fantasia. Entre uma pintura de Monet e Fragonard, pixelando esta deleitosa paisagem sonora, ilusionado pelos êufonos encantos das bolinhas brilhantes que pairam no céu escuro. São imagens saudosas, capturas cativantes, sonhos graciosos.

Sweet, sweet fantasy baby...

A beleza poética deste momento sonoro não está apenas no lirismo da faixa, mas também nos vocais aveludados da Mariah que fluem como um prólogo dos cantos angelicais descritos por Ezequiel. Ela canta todos os versos tão suavemente e com tanta maciez que eu sinto sua voz acariciando meus ouvidos. Arranjos vocais que mais lembram arranjos florais. Um buquê de harmonias diversas e contagiantes. As melismas são brincalhonas, ela saltam entre notas e outras e não soam como firulas exageradas graças à agilidade vocal de Mariah, que coloca cada nota em seu devido lugar. É admirável a forma como ela transita entre um registro e outro, especialmente entre o falsete e a voz de cabeça, mas com toda certeza a parte mais fascinante, vocalmente falando, desta obra de arte são os whistles (registro de apito). Essa é a marca da Mariah. Ninguém dominou este registo com tanta propriedade, mas aqui ele não é o protagonista da faixa como em Emotions ou um prelúdio como em Dreamlover, muito menos um clímax como em Someday. Mariah sabiamente usa o registro como um adorno, um adereço poético. Os whistles estão floreando a faixa, em reverb, e você pode escutá-los ao fundo ressoando pelo céu estrelado. Eles chegam aos nossos ouvidos como estrelas cadentes, como arabescos singelos. Ela nunca soou tanto como um pássaro igual ela soa aqui. E como se tudo isso não fosse suficiente, a produção se encarrega de trazer um ambiente igualmente místico. Com batidas brandas de um baixo que nos levam pra um disco de fim de noite dos anos 70's e os glissandos do e-piano afáveis em camadas sobrepostos às vocalizes da cantora criam uma ambientação única. Você pode sentir a cada acorde e se  deliciar com as notas sussurrando gentilmente no seu ouvido os devaneios de Mariah. Toda a poética deste dia está na letra que nos transportam para o além da imaginação, nos vocais que nos tocam os ouvidos como plumas, nos instrumentos que valsam tímidos com os vocais e nas sensações que desabrocham na superfície da pele e florescem dentro de nós. 



 uma escapatória para outros escapismos 

Quando Mariah estava produzindo Daydream seu casamento já estava fracassado e ela se sentia constantemente abusada pelas restrições do marido, Tommy Motolla que na época era presidente da Sony Music. Mariah queria flertar mais vezes com o R&B e o hip hop, mas seu marido achava que isso diminuiria a capacidade de Mariah, que era simplesmente a maior estrela do momento. Ela tinha vendas, aclamação e hits. Arriscado demais tentar deixar o pop e o soul. Mas, Mariah estava determinada. 

Como uma verdadeira artista ela queria ter sua liberdade criativa e este foi o início do sentimento de liberdade que ela viria poetizar no seu próximo álbum, Butterfly. Mas enquanto Mimi não podia se separar totalmente, graças aos acordos e contratos, ao invés de cantar sobre suas dores e desafetos, ela criou um mundo de devaneios onde poderia fugir todas as vezes e esquecer toda a pressão e repressão que estava vivendo; não atoa o álbum se chama Daydream, que quer dizer devaneio (como estar sonhando acordado, imaginando coisas...). Perdendo-se em lembranças de uma época onde as cores eram mais tênues e as flores não tinham tantos espinhos, entre uma faixa e outra conseguimos absorver uma desejo inocente de escapar daquela tensão. Como uma "ponte para Terabítia" neste escape ela cria suas próprias convicções, desejos e fantasias. Figuras de outrora, romances da adolescência, papéis de carta vintage e cenários cheios do típico boculismo sulista dos Estados Unidos, de onde Mariah é moribunda. Neste excelente amontoado de faixas, Underneath The Stars é a que mais reflete este mundinho ingênuo e sonhador. É nesta canção que nós conseguimos sentir puramente a necessidade que ela tinha de fugir. 

Quando o álbum se encerra com a tristonha "Lookin' In" propondo uma reflexão pessoal sobre uma Mariah embotada de lágrimas e talvez desencantada podemos perceber o quanto estes devaneios foram importantes pra manter Mariah viva e saudável mentalmente. 

uma poesia polida...

Underneath The Stars não envelheceu. Ela poderia ser tão atual como "Say So", da Doja Cat. Podemos ver seu legado em cada nova música da Ariana Grande. Sua característica doce e jovial evoca paixões e inspira muitos jovens artistas no mundo musical.  Não sei se Mariah tinha noção da dimensão desta música quando a estava criando, mas ela nasce de uma genuína vontade de colorir os dias nublados, de manter fotografados os bons momentos independente da sensação que eles trazem, de uma expressão que precisava existir. Enquanto a catarse proposta no Butterfly não chegava, Mariah se munia de quimeras ludibriadas e com elas fazia arte. Não seria um eufemismo dizer que esta música é fantástica, uma obra de fantasia.

Enveludada num fabuloso enlevo Underneath The Stars é um júbilo cálido quase que celestial, um regozijo necessário, uma viagem pra um conto de Neil Gaiman, é um suspiro de alívio, é uma satisfação maravilhosa, é a poesia polida.





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