A grande seca do Nordeste

17:46

Uma criança magra pela fome que fora causa pela grande seca.
Foto de uma das vítimas da Grande Seca, Ceará, 1878. Foto de Joaquim Antônio Correia, “Vítimas da Grande Seca”, Albúmen, Carte de Visite, 9 X 5,6 cm, Ceará, CA. 1878. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil.

Das grandes secas que assolaram o Brasil, uma das mais graves e lembradas foi aquela que compreendeu os anos de 1877 à 1879, ficando conhecida como a grande seca do Nordeste. Foram quase três anos seguidos sem chuvas, com perda de plantações, mortes de rebanhos e miséria extrema. A situação foi tão desesperadora, que famílias inteiras se viram obrigadas a migrar para outros estados, promovendo uma onda de imigrações.

O cenário ficou cada vez mais caótico, principalmente quando os retirantes chegaram em outras cidades e estados. Devido à miséria extrema das pessoas que chegavam, os moradores locais temiam saques no comércio e armazéns. Além disso, as cidades para as quais as vítimas da seca se dirigiam começaram a ficar cada vez mais apinhadas de flagelados. Fortaleza, por exemplo, converteu-se na capital do desespero. De 21 mil habitantes pelo censo de 1872 passaram a ter 130 mil.
Somando-se ao quadro caótico, os rebanhos de animais sobreviventes sucumbiram diante da ação de zoonoses, furtos, fome e sede. A flora e a fauna da região praticamente desapareceram. Por fim, para completar o quadro de tragédia, houve um surto de varíola, dizimando milhares de pessoas. Finalmente o governo imperial enviou ao Nordeste uma comissão de engenheiros para a perfuração de poços, construção de estradas de ferro e armazenamentos de água, para assim resolver o grande problema da seca.
Vítimas das secas de 1877/1878, no Ceará - Brasil. Foto: autor desconhecido, Biblioteca Nacional.
Vítimas das secas de 1877/1878, no Ceará – Brasil. Foto: autor desconhecido, Biblioteca Nacional.
Curiosidade:
Calcula-se que 500 mil pessoas morreram por causa da seca, em que o Estado mais atingido foi Ceará. O imperador dom Pedro II foi ao Nordeste e prometeu vender “até a última joia da Coroa” para amenizar o sofrimento dos súditos da região. Não vendeu, porém enviou engenheiros para a construção de poços.
Alguns anos depois da primeira grande seca no século XIX, em 1915 um novo episódio assolou o sertão nordestino. Mais uma vez, a nova seca fez com que diversos nordestinos migrassem para as grandes cidades, porém, ao contrário do primeiro episódio, o governo cearense resolveu se precaver de uma maneira desumana. Desta feita, o governo criou os primeiros currais humanos, campos de concentração em regiões separadas por arames farpados e vigiadas 24 horas por dia por soldados para confinar as almas nordestinas retirantes castigadas pela seca.
Notícia sobre o Campo de Concentração dos Flagelados, publicada no Jornal O POVO, em 16/04/1932
Notícia sobre o Campo de Concentração dos Flagelados, publicada no Jornal O POVO, em 16/04/1932.
A oeste da cidade de Fortaleza foi erguido, então, na região alagadiça da atual Otávio Bonfim, o primeiro campo de concentração brasileiro. Ali ficaram confinadas cerca de 8 mil pessoas com alimentação e água controladas e vigiadas pelos soldados do Exército. Naquele mesmo ano de 1915, após incentivos para que os retirantes migrassem para a Amazônia, o curral humano foi desativado.
Cerca de 17 anos mais tarde, em 1932, foi a vez de reabrir o campo de concentração de Otávio Bonfim e criar novos currais humanos. Naquele ano, outra grande seca castigou novamente o sertão nordestino, fazendo com que, mais uma vez, milhares migrassem para os grandes centros urbanos. Após dezessete anos, nem o governo federal, nem os governos estaduais haviam se precavido para diminuir os efeitos da seca e a solução, novamente desumana, passou a ser a criação e ampliação dos campos de concentração nordestinos.
Vítimas da seca. Crianças e adultos jazem ao lado da linha férrea que levava para o Campo de concentração de Senador Pompeu. De forma assustadoramente parecida, as cenas brasileiras dos currais humanos lembravam bastante os campos de concentração nazistas.
Vítimas da seca. Crianças e adultos jazem ao lado da linha férrea que levava para o Campo de concentração de Senador Pompeu. De forma assustadoramente parecida, as cenas brasileiras dos currais humanos lembravam bastante os campos de concentração nazistas.
Pela segunda vez, foram erguidas regiões cercadas por arames farpados e vigiadas diariamente por soldados para confinar os nordestinos afetados pela seca. Corpos magros, de cabeças raspadas e numeradas se apinhavam aos montes dentro dos cercados de Senador Pompeu, Ipu, Quixeramobim, Cariús, Crato (ou Buriti, por onde passaram mais de 65 mil pessoas) e o já conhecido Otávio Bonfim, os maiores currais humanos instalados no Brasil para conter a massa castigada pela seca dos anos de 1915 e 1932.

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