Os 4 momentos mais House of Cards da história do Brasil

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A política brasileira não deu trégua nos últimos dois ou três anos – entre disputas ideológicas, manifestações de rua, investigações, prisões e delações, quem nasceu nas últimas décadas não se lembra de ter passado por um período de tensão tão duradouro em Brasília.
O que não significa que esses períodos não tenham ocorrido, é claro. Para refrescar a memória, eu selecionou alguns momentos do poder brasileiro que também renderiam boas temporadas de House of Cards.

Período regencial

A política brasileira já dava sinais de sua vocação para enlouquecer jornalistas desde o século 19. Às três da manhã do dia 7 de abril de 1831 – menos de dez anos após declarar a independência do Brasil – D. Pedro I largou o trono do país recém-fundado e voltou para Portugal.
Ele pensou bem antes de tomar a decisão. Em 1826, sete anos antes, morreu D. João VI, pai do monarca brasileiro e rei do país europeu. Foi uma virada irônica do destino – D. Pedro I se tornou, ao mesmo tempo, líder da ex-colônia e da ex-metrópole.
Não seria muito coerente de sua parte aceitar o comando da terra dos pastéis de Belém quatro anos depois de bradar “independência ou morte!” às margens do Ipiranga, então ele deixou Portugal nas mãos de sua filha, D. Maria II, e ficou aqui entre palmeiras e sabiás. É claro que “palmeiras e sabiás” só eram uma boa descrição do Brasil Imperial na cabeça romântica do poeta Gonçalves Dias. Na época – qualquer semelhança com a atualidade é mera coincidência –, o país era palco de uma ferrenha cisão política, e vários grupos estavam insatisfeitos com a Constituição autoritária que D. Pedro I havia outorgado em 1824. 
A pressão chegou ao ápice com o assassinato do jornalista liberal Libero Badaró no final de 1830. O assassino nunca foi encontrado, mas as suspeitas recaíram sobre o governo. Revoltas regionais e agressões à comunidade portuguesa que vivia no Rio de Janeiro pioraram a situação, e D. Pedro I, sob pressão, deixou o trono e voltou para a Europa. 
Na época, seu filho e sucessor, D. Pedro II, era um menino de cinco anos e quatro meses de idade, e precisaria aguardar a maioridade para assumir o poder. Resultado? O destino do Brasil, ficava, pela primeira vez, nas mãos do poder Legislativo. O Senado, ciente do caos que a abdicação podia gerar na nação jovem, elegeu três políticos – um liberal, um conservador e um militar – para comandar o país com algum equilíbrio. 
Em 10 anos, o Brasil passou pela mão de quatro governos – depois da regência provisória original, veio outra, permanente, também com três políticos. A essas se seguiram dois governos individuais, que ficaram conhecidos como as regências unas de Feijó e Araújo Lima. Para o terror desse poder instável – e dos vestibulandos de Humanas – o período foi marcado por insurgência popular em todos os cantos. Revolta dos Malês, a Cabanagem, a Sabinada, a Balaiada e a Revolução Farroupilha foram só algumas das revoltas e conflitos regionais que eclodiram até D. Pedro II assumir o comando.

República da espada

Os primeiros anos democráticos do Brasil mais pareciam os últimos. Após a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, o país não passou imediatamente às mãos da elite do café com leite – a transição envolveu cinco anos de ditadura militar. Marechal Deodoro da Fonseca e sua turma, inspirados nos ideais do francês Auguste Comte, pegaram o lema do filósofo positivista – “amor, ordem e progresso”–, tiraram a parte do “amor” e estamparam o resto em uma faixa branca no centro da bandeira nacional – que está lá até hoje. 
No início, os cafeicultores acharam esse governo de transição um ótimo negócio – sem a mão de ferro das forças armadas, eles não seriam capazes de consolidar o poder após o golpe de Estado. Após o fim do período provisório, porém, Deodoro se manteve no poder, e conforme o regime democrático ganhava estabilidade, a pressão sobre seu governo de exceção aumentou. Em uma tentativa de aumentar a própria popularidade, o marechal indicou ao cargo de ministro da Fazenda o intelectual Rui Barbosa. A manobra foi um tiro no pé, e jogou o país em uma crise econômica.
Com pouco apoio político, Deodoro renunciou em 23 de novembro de 1891 – não sem antes, sob pressão, declarar estado de sítio em um ato autoritário desesperado e bater o último prego do próprio caixão. Segundo a nova constituição que havia passado a valer em seu governo, se um presidente renunciasse antes de completar dois anos de mandato, novas eleições deveriam ser organizadas para eleger o próximo. Acontece que o marechal Floriano Peixoto preferiu simplesmente assumir o poder – sem a parte das eleições.
Ele comandou o país com violência e sufocou diversas revoltas, mas após um governo popular, organizou o processo eleitoral que daria a vitória ao civil Prudente de Morais em 1894 – e não tentou prolongar o domínio das forças armadas. 

Jânio e Jango

Pena que não existia internet em 1961 – ela teria vindo abaixo. O presidente eleito Jânio Quadros, com os ombros cheios de caspa falsa, sanduíches de mortadela nos bolsos e um português de fazer tremer até a mais exótica das mesóclises, largou o cargo em 25 de agosto de 1961, meros oito meses após tomar posse.  
O anúncio veio em forma de um bilhete lacônico, escrito na pior caligrafia possível e entregue em mãos ao congressista Auro Soares de Moura Andrade – hoje nome de uma avenida no bairro da Barra Funda, em São Paulo, mas na época um influente político conservador, disposto a jogar do lado dos militares.
O Brasil prendeu a respiração. Quem tinha que assumir o poder era o vice, João Goulart – que estava na China, em uma viagem oficial, e não fazia a menor ideia da renúncia. Acontece que a intenção de Jânio nunca foi sair de vez da presidência – ele só tinha um plano ousado demais para o próprio bem.  
A maior parte dos historiadores concorda que o bilhete foi só um blefe mal-sucedido. Bom ator que era, Jânios Quadros afirmou se sentir pressionado por “forças terríveis”. Ao se fazer de vítima, esperava voltar blindado – e aclamado pelo povo – à liderança.
Deu errado. Ninguém fez questão de mantê-lo no poder, e Goulart, a opção disponível, não era bem uma opção: sua fama de comunista passava longe dos interesses das forças armadas e da parcela da sociedade que, três anos depois, bateria ponto na Marcha da Família com Deus pela Liberdade.
Para acalmar os ânimos conservadores, já dispostos a tomar o poder à força, a solução do legislativo foi cortar as asas do vice: começou uma breve república parlamentarista, com Tancredo Neves (que será citado abaixo) de primeiro-ministro. Haja fôlego para acompanhar o noticiário – após Tancredo, o cargo criado a toque de caixa mudaria de mãos mais duas vezes em menos de dois anos.
Em 1963, um plebiscito tornou o Brasil de novo presidencialista, e Goulart, agora de fato com o poder em mãos, governou de acordo com seus princípios ideológicos e sob muita pressão até ser deposto pelos militares em 1964.

Tancredo Neves e a volta à democracia

A cidade mineira de São João del-Rei, terra natal de Tancredo Neves, virou notícia de tablóide hoje mais cedo. Uma estátua do político, que foi personagem essencial da redemocratização do Brasil após a Ditadura Militar, amanheceu com uma placa de papel em que se lia “que vergonha dos meus netinhos!”
Os netinhos em questão são, é claro, Aécio Neves e sua irmã (e principal assessora) Andrea – presa ontem (18) após pedir dinheiro ao empresário Joesley Batista em nome do irmão. Prova de que, quando a assunto é crise política, a influente família Neves gosta mais é de ficar no olho do furacão.
Tancredo Neves foi um dos únicos políticos que se mantiveram fiéis a João Goulart até o último dia de seu governo em 1964. Apesar de se opor ao regime, usou sua capacidade de conciliação para passar incólume pelos 21 anos de governo autoritário, e chegou a 1983 como símbolo de uma transição suave de volta para a democracia. Em 1984, os desejos das Diretas Já! não foram atendidos, e Tancredo foi disputar as eleições indiretas com Paulo Maluf. No ano seguinte, o colégio eleitoral deu 480 votos ao mineiro, contra os 180 que recebeu o candidato do PDS.
O político, aclamado pela população e aceito pelos generais, morreu em abril de 1985 aos 75 anos após passar um longo período internado em um hospital paulistano – e nunca chegou a tomar posse. José Sarney, seu vice, assumiu a Presidência em seu lugar em 15 de março de 1985, e liderou um governo marcado por problemas econômicos. Depois dele, nas primeiras eleições diretas em quase três décadas, o season finale veio com a vitória do caçador de marajás Fernando Collor de Mello, que confiscou poupanças, foi incapaz de controlar inflação e renunciou antes de sofrer um impeachment por denúncias de corrupção.

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